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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ilustração: “Interiores”, 2009, do mestre RUBEN GRILO


       PERVERSOS XXII

                             Poesia de Antonio Miranda

                                       É quando aquele homem comum
                                      que gagueja
                                    espreita a noite com chaves e ferrolhos
                                 apedreja os ventos, reforça das fechaduras
                              vê-se só e atônito, afogado no próprio
                           vômito
                       a blasfemar sua condição malsã.

                  Homem comum, buscando, onde não há
                  nem haverá explicações
                — apenas folguedos, arremedos
            mesmices, meninices — buscando o quê
            talvez cismando, arfando, entre mentiras
            e superstições, ímpias crendices, sombras
            alucinações. Homem ou mulher
            melhor seria o ser que se instaura
            engastado em fé e fezes, atolado
            talvez na fruição do susto e do enlevo
            ou na própria estupidez
              buscando
                  — buscar é a razão do homem —
                    ar, sentido, justificativa
                       mas o tempo é gasto
                          e a confiança exangue.

                             É quando ele maldiz, levanta muralhas
                                mas apela, vendo o mundo
                                   do fundo de um letárgico estupor.

                                      O homem, ínfimo, diante da
                                         História
                                            do infinito, de uma Esfinge,
                                                iracundo
                                                 — um caleidoscópio
                                                    alucinado
                                                 uma cornucópia devassada e vã.

                                        Ouvir-lhe as lânguidas premissas
                                     as blasfêmias sublinhadas, azarosas
                               os acicates martirizantes, versões, ceticismos.

                            Que habitamos terras profanadas
                          que os ares envenenados, as aves decapitadas
                       as cidades envilecidas, as casas congestionadas
                    castigos, valores degenerados, acobertados da lei

                 onde as marés refluem e se perdem no ignoto
               sem retorno, os ventos represados
                 em círculos viciosos buscam as alturas
                    insanas
                      e a espécie humana degradada
                     renega a Criação
                     — na imperfeição mais cruel e perplexa.

                   (De Per Ver Sos. Brasília, DF: Editora Thesaurus, 2004.)         

ditora Thesaurus, 2004.)         

                                                                                                                                                                              

          “A mensagem deste antipoema explora a complexidade da existência humana. A voz poética utiliza uma simbolicidade, materializada nas palavras e frases do texto, a fim de expor o contexto social e emocional do homem e o qual é esperpenticamente desconcertante, porque ele apedreja os ventos, vê-se só e atônito, isto é, indicando que realmente vive em condição malsã, que é uma característica própria do esperpento. Percebemos que termos como apedreja e vômito rompem com a sutileza e a beleza do sublime na lírica, o que aponta para uma das características da antipoesia. Além desse contexto, vemos também que o eu enunciador harmoniza os contrários o que é natural desse estilo. Observamos os versos oximóricos em: “Homem comum, buscando onde não há”, “nem haverá explicações”. Como também, o esperpento se manifesta na confluência entre o grotesco e o sublime: “Homem ou mulher”, “melhor seria o ser que se instaura”, “engastado em fé e fezes”.

          “A aproximação estabelecida entre esses dois últimos termos sugere quão conflituosa se encontra a realidade humana retratada neste antipoema. Um homem que busca ar, sentido e justificativa, mas o tempo é gasto e a confiança é exangue. A problemática se intensifica pelo fato de este indivíduo maldizer a si mesmo, vê-se diante de um mundo sem esperanças, sentindo-se iracundo. Ante essa degradação, o sujeito renega a própria existência e a criação de tudo no planeta. Este eu desrealizado e sem expectativas é campo de estudo largo para o gênero esperpêntico, uma vez que se denunciam as problemáticas para podermos contrapô-las, sugerindo as soluções, estabelecendo rupturas sociais e estéticas. Dessa forma, concretiza-se o esperpento atingindo o cerne da contemporaneidade onde o homem está inserido. Podemos perceber mais que Antonio Miranda não cessa de produzir obras hauridas da fonte do esperpento, da antipoesia e também da metapoesia. Por isso, propomos uma leitura, par o próximo capítulo, de representativos títulos seus os quais continuam assinalando quão contemporâneo ao seu tempo este poeta permanece sendo.”

In: DIAS JUNIOR, Valter Gomes. A poesia de Antonio Miranda e suas intersemioses. João Pessoa, PB: Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Pós-graduação em Letras, 2014.  268 p. Tese de doutorado defendida com Louvor.


 


         

 


 

 

 

 
 
 
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